HISTÓRIAS DA ARTE POLITICAMENTE INCORRETAS: "UM BUFÃO REAÇA CHAMADO DALÍ"

Felix Rego
Salvador Dalí já era excêntrico desde os tempos de estudante em Madrid, quando chamava a atenção para si mesmo através de seus cabelos longos e das meias e calções de futebol, que costumava usar nas festas e eventos em que comparecia.
Quando perguntaram quais os pintores contemporâneos que ele mais admirava, respondeu: "em primeiro lugar, Dalí, depois de Dalí, Picasso, e depois de Picasso nenhum outro."
Até então nenhum artista tinha se autopromovido tanto quanto Dalí, cuja marca era o bigodaço encerado, com as duas pontas voltadas para cima, em forma de antenas, e sobre o qual ele dizia o seguinte: “Como eu não fumo, decidi deixar crescer o bigode. É melhor para a saúde. No entanto, eu sempre carregava uma caixa de cigarros cravejada de pedras preciosas, na qual, em vez de tabaco, foram cuidadosamente colocados vários bigodes, estilo Adolphe Menjou. Eu os oferecia educadamente para os meus amigos: ‘Bigode? Bigode? Bigode?’. Ninguém se atreveu a tocá-los. Este foi o meu teste em relação ao aspecto sagrado de bigodes”.
Um pequeno sino de prata, juntamente com uma capa mundana, também eram usados por Dalí para chamar a atenção das pessoas para o seu inconfundível bigode.
Na Exposição Surrealista Internacional de Londres, Dalí, acompanhado por dois cães galgos e carregando um taco de bilhar numa das mãos, compareceu ao evento metido num traje de mergulho.
A justificativa era que vestido daquela forma ele estaria “mergulhando nas profundezas da mente humana."
Dalí costumava referir-se a si mesmo na terceira pessoa, e também não poupava auto elogios nos programas de televisão dos quais participava com uma certa frequência, como o famoso “60 minutes", de Mike Wallace.
Expulso da Academia de Artes, tornou-se amigo de pessoas influentes no circuito cultural, como o poeta Federico García Lorca, o cineasta Luis Buñuel e o pintores Miró e Pablo Picasso, os quais o levaram a fazer experiências com o Cubismo e o Dadaismo.
Até aí Dalí não passava de um bufão caricato, que desenhava e pintava bem.
Foi somente após ter entrado para o Movimento Surrealista, fundado por André Breton, que Dalí se firmou como artista plástico, e enriqueceu.
O Surrealismo foi um importante movimento político, filosófico e artístico, que pregava o aniquilamento da cultura tradicional, na esteira do Dadaismo.
Sem Breton e o surrealismo, Dalí não teria chegado onde chegou.
Mas Dalí traiu o movimento, e em 1939 foi expulso do grupo.
Salvador Dalí não era apenas um artista excêntrico.
Também era interesseiro, dinheirista, reacionário e fascista.
Na Guerra Civil Espanhola ficou ao lado do ditador Franco, cujo regime inaugurou o método dos "passeios": ir procurar pessoas em suas casas para depois "passeá-las", ou seja, fuzilá-las à noite e deixá-las nas valetas - no total, foram 197.000 "passeados" e 200.000 exilados.
Para os que querem conhecer mais de perto as excentricidades e bufonarias de Dalí, sugerimos o livro "As Confissões Inconfessáveis de Salvador Dalí", de autoria do próprio artista.
Seguem dois parágrafos da obra:
"O grupo surrealista era para mim uma espécie de placenta que me nutria e eu acreditava no surrealismo como nas tábuas da Lei. Assimilava com um apetite incrível e insaciável toda a letra e o espírito do movimento, que aliás correspondia tão exatamente à minha natureza profunda, que cheguei a encarná-lo com a maior naturalidade. Na verdade, a dissimulação desse processo era tanto mais paradoxal, quando eu era sem dúvida o mais surrealista do grupo – o único talvez – e que me acusavam de fato de ser surrealista demais."
"... Mas eu compreendi desde esse dia que estava na presença de intelectuais feitos de papel higiênico, enrijecidos por preconceitos pequenos-burgueses e em quem os arquétipos da moral clássica haviam depositado marcas indeléveis. Eles tinham medo da merda. Da merda e do ânus. O que existe de mais humano, no entanto, e de mais necessário a ser superado? A partir deste instante, eu decidira obcecá-los com o que eles mais temiam. E quando inventei os objetos surrealistas, tive o prazer íntimo e profundo, enquanto os amigos do grupo se extasiavam com seu funcionamento, de me dizer que esses objetos reproduziam exatamente as contrações de um c_ em ação e que eles admiravam o próprio medo."